Diretor de Política Monetária, mais cotado para cargo de presidente da autoridade monetária, tem assumido falas sobre juros

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo em protesto de servidores do BC — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Mesmo antes de uma definição oficial sobre a sucessão no Banco Central (BC), a autoridade monetária passa por uma espécie de transição informal de protagonismo entre o atual presidente, Roberto Campos Neto, e o mais cotado para assumir o cargo, o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo.

Desde a última decisão de juros, no final de julho, todas as principais mensagens sobre os próximos passos da Taxa Selic foram dadas por Galípolo, que foi número 2 de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda antes de ser nomeado para o BC. A reunião do mês passado manteve a taxa básica de juros em 10,50% ao ano.

Na terça-feira, em audiência na Câmara dos Deputados, no único momento em que Campos Neto falou sobre o futuro dos juros, fez menção às falas do diretor de Política Monetária.

— Em relação à possibilidade de subir os juros, ontem, inclusive, houve duas falas de diretores que foram apontados por esse governo dizendo que vamos fazer o que tiver de ser feito para a inflação atingir a meta e, se tiver que subir juros, vai ser feito — disse Campos Neto.

Na segunda-feira, Galípolo destacou que a alta de juros está “na mesa”, ainda que o BC não tenha dado nenhum tipo de sinalização sobre qual será sua decisão em relação à Selic no próximo Comitê de Política Monetária (Copom), em setembro.

— A ata (do Copom) deixa bem claro, e espero ter deixado claro, mas vou repetir que não fornecemos nenhum tipo de guidance para a próxima reunião. A alta está na mesa, e a gente quer ver como isso vai se desdobrar — disse Galípolo em evento do mercado financeiro, citando a turbulência recente nos mercados globais.

Foi também de Galípolo o primeiro comentário sobre a política monetária após o fim do período de silêncio do Copom na semana passada, mesmo com participação de Campos Neto em outro evento público mais cedo no mesmo dia.

Na ocasião, Galípolo reforçou a afirmação feita pelo colegiado na ata de que a projeção para a inflação está acima da meta de 3,0%. Atualmente, a projeção do BC para o primeiro trimestre de 2026 é de 3,2%. Além disso, afirmou que o cenário é “desconfortável” para a autoridade monetária.

O mandato de Campos Neto termina em 31 de dezembro deste ano. O sucessor terá de ser indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado. Ainda que Lula não tenha batido o martelo sobre o escolhido, o nome de Galípolo é dado como certo seja em Brasília ou na Faria Lima.

Decisão das próximas semanas, diz Haddad

O ministro Fernando Haddad afirmou ontem que a decisão sobre o próximo presidente do Banco Central entrou no radar do presidente Lula e que a divulgação do nome deve ocorrer nas próximas semanas. A data vai depender de uma conversa que Lula deve ter sobre o assunto com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O governo quer aprovar o nome em algum esforço concentrado do Congresso antes das eleições municipais de outubro.

O próprio Campos Neto já defendeu algumas vezes que seria positivo que a indicação de seu substituto ocorresse alguns meses antes do fim do seu mandato, para que a passagem de bastão seja feita de forma organizada. É o que parece estar acontecendo desde o Copom de julho.

A equipe econômica vem argumentando com o presidente Lula que é importante indicar o quanto antes o sucessor de Campos Neto para tirar da frente uma incerteza, especialmente em um momento em que o mundo está ficando mais imprevisível.

'Copom do Lula'

A avaliação é de que parte da escalada do dólar está relacionada às dúvidas sobre a composição e a atuação do BC em 2025, deflagrada pelo racha no Copom de maio. Naquela reunião, os quatro diretores indicados pelo governo atual votaram por uma queda mais forte dos juros, mas foram vencidos pelos cinco membros do colegiado que já estavam no comitê na gestão de Jair Bolsonaro.

Ficou a sensação de que o “Copom de Lula” teria um menor compromisso com a meta de inflação. Mesmo com o alinhamento do discurso nas reuniões seguintes e a manutenção dos juros, integrantes da equipe de Haddad avaliam que a “ferida” deste episódio ainda está aberta e influencia os preços dos ativos brasileiros.

Nos bastidores, a Fazenda ainda vem defendendo que as críticas de Lula a Campos Neto não significam que o governo não defende a autonomia do BC. O argumento é de que a cisma do petista com o atual presidente da autarquia está relacionada à sua proximidade com o bolsonarismo, mas os aliados de Haddad reconhecem que os assuntos se misturam nas declarações de Lula e que é preciso melhorar a comunicação do governo.

Um sinal claro de que o governo defende a atuação técnica do BC foi o decreto de meta de inflação contínua, que estabelece que o alvo a ser perseguido só pode ser alterado com três anos de antecedência. Ou seja, a atual gestão terá de conviver com a meta de 3,0% até o final do mandato, em 2026, e o presidente do BC, seja quem for, precisa persegui-la, mesmo que ocorram reclamações pontuais do presidente.

A transição informal é vista com bons olhos no mercado financeiro e considerada uma situação de ganha-ganha para todos. É uma saída honrosa para Campos Neto, que já vai se retirando lentamente dos holofotes antes de ser “escanteado” pela indicação de seu substituto pelo governo.

Para Galípolo, é uma oportunidade de resgatar sua credibilidade junto ao mercado financeiro após o episódio do racha no Copom de maio. Com Galípolo puxando a fila entre os diretores do BC no tom duro contra a inflação, o resultado tem sido positivo sobre os preços dos ativos brasileiros, como o câmbio.


Fonte: O GLOBO