Partido enfrenta nos últimos anos dificuldades para se conectar com esse segmento e governo Lula também não obteve até agora sucesso em iniciativas voltadas para esse público
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Evaristo Sá/AFP
A Fundação Perseu Abramo, braço teórico do PT, elaborou uma cartilha para orientar o diálogo de candidatos do partido com evangélicos na eleição municipal deste ano. O partido enfrenta nos últimos anos dificuldades para se conectar com esse segmento. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não obteve até agora sucesso em iniciativas voltadas para esse público, que faz uma avaliação pior da gestão petista do que a média da população.
O material de nove páginas, com citações de várias passagens bíblicas, destaca que não deve haver exagero em falar o nome de Deus. A cartilha tenta aproximar o partido dos evangélicos ao optar por um texto na primeira pessoa do plural. “Nós, os evangélicos, somos parte da grande diversidade brasileira e, assim, também somos plurais entre nós mesmos, tanto no que diz respeito à fé (baseada na livre leitura e interpretação da Bíblia), quanto às nossas preferências políticas”, afirma.
O texto diz que os membros das igrejas evangélicas “participaram de vários momentos marcantes do país, inclusive da fundação do Partido dos Trabalhadores, que atualmente possui um núcleo evangélico atuante na maioria dos estados do país.” Também destaca que “politicamente, um dos principais elementos de união entre os evangélicos, é a defesa da liberdade religiosa”. O texto recomenda lembrar que o PT criou, durante os governos anteriores de Lula, a Lei da Liberdade Religiosa e o Dia Nacional da Marcha para Jesus, maior encontro do segmento — o presidente não foi ao evento, mas enviou representantes e uma carta.
Reprovação em pesquisa
A dificuldade do PT em dialogar com os evangélicos vem sendo percebida com mais ênfase desde a eleição de 2018. Pesquisa Datafolha divulgada em julho mostra que a reprovação do governo Lula entre esse segmento chega a 41%, enquanto no computo geral da população é de 33%.
Na eleição presidencial de 2022, Lula resistiu a fazer uma carta aos evangélicos, apesar auxiliares defenderem essa ideia. O então candidato só cedeu na reta final da disputa quando a sua intenção de voto nessa parcela da população estava baixa.
O governo Lula já escalou ministros, como Jorge Messias (Advocacia-Geral da União), que é evangélico, para estabelecer pontes com pastores e lideranças religiosas. O esforço, porém, não se refletiu em melhora expressiva da popularidade no segmento.
Na semana passada, o partido realizou o seu primeiro encontro de candidatos evangélicos. A reunião virtual teve a participação de Messias, da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), entre outros.
O secretário de Comunicação do PT, Jilmar Tatto, acredita que há uma mudança do humor dos evangélicos em relação ao partido que pode se traduzir em números das pesquisas no futuro.
— Nós começamos a achar o caminho para atender esse desafio de dialogar com os evangélicos, que é através das políticas públicas do governo, principalmente dos programas sociais.
Entre o que é recomendado não fazer, o texto petista fala em “não exagerar ao falar no nome de Deus”. “Não tomar o nome de Deus em vão é um dos Dez Mandamentos”.
Segundo os petistas, quem não tem conhecimento deve evitar citar a Bíblia. “Para quem não acredita, o melhor é não falar sobre isso e não tentar citar a Bíblia sem a conhecer, sob risco de prejudicar sua credibilidade e criar resistências. Lembre-se: só mencione Deus se sua fala for efetivamente sobre ele.”
Os petistas também recomendam não associar críticas a pastores e crentes à sua fé; não tratar os evangélicos como se fossem todos iguais; não tratar todo evangélico como fundamentalista; e não rejeitar possibilidades de compreender o mundo a partir da Bíblia.
Ênfase em programas
Na lista sobre o que fazer, a cartilha fala em “valorizar a família”. Enfatiza que muitas são lideradas por “mulheres negras e evangélicos de periferia, que colocam o bem-estar de seus filhos como um objetivo central de suas vidas”. “A família é um eixo central da narrativa bíblica”. O texto também acrescenta que “respeitar os pais e educar os filhos está no centro do livro sagrado para os cristãos”.
Na sequência, a cartilha diz “por isso, a família é considerada bom caminho para acessar o coração dos evangélicos“.
Em linha com uma tese defendida por Lula desde a campanha de 2022, o material sugere que melhorias das condições de vida da população em geral beneficiam a família evangélica. “Pode favorecer o diálogo enfatizar que as políticas públicas contribuem para fortalecê-la e dar-lhe dignidade, ao garantir alimentação, moradia, trabalho decente (inclusive com a valorização do salário mínimo) e oportunidade de descanso, lazer e entretenimento. Ou como diz a Bíblia, vida plena, em abundância”, orienta.
Ao longo da cartilha, foram publicadas imagens do presidente Lula, ora em um evento com evangélicos, ora em uma reunião no Planalto onde é possível ver uma escultura de Cristo pregada na parede.
O texto destaca que os evangélicos valorizam a verdade e pede cuidado para desmentir informações: “Ao desmentir uma desinformação, deve-se saber pontuar o que está incorreto, principalmente quando se trata de conteúdo baseado em fatos que realmente ocorreram”.
Também recomenda que os evangélicos sejam considerados nas abordagens sobre diversidade porque “a religião é um dos elementos que compõem a cultura”.
Em outro ponto, orienta que seja feita a defesa dos diretos humanos. Os petistas argumentam que a Declaração dos Direitos Humanos teve o texto inspirado na Bíblia. “O próprio Jesus dá uma série de exemplos de como tratar com humanidade e dignidade as pessoas que são diferentes dele, seja em questão de gênero, nacionalidade, cultura, condição social ou formação”
A cartilha diz que “essa visão se alinha às propostas do PT, que buscam trazer dignidade e acolhimento a todas as pessoas, e é interessante ressaltar os direitos humanos como um elo em comum com os evangélicos“.
A Fundação Perseu Abramo já produziu para esta eleição uma pesquisa qualitativa que constatou que a segurança pública é a área mais controversa para o PT. A entidade é presidida atualmente por Paulo Okamotto, um dos mais próximos aliados de Lula e ex-presidente do instituto que leva o nome do petista.
O que fazer
- Valorizar a família: a cartilha orienta para enfatizar no diálogo com evangélicos que as políticas públicas visam a fortalecer e dar dignidade às famílias, garantindo-lhes alimentação, moradia, trabalho, lazer e entretenimento.
- Valorizar a fé: deve-se reconhecer o importante papel que a fé tem na vida dos religiosos, inclusive dos evangélicos. Isso é um importante canal de diálogo, lembrando que não cabem julgamentos sobre a escolha da religião.
- Direitos humanos: ao abordar o tema direitos humanos, a cartilha sugere falar no direito ao sustento digno, à saúde, à vida, à crença, à família, à segurança, à educação, à liberdade de opinião e a outros direitos básicos.
- Leis criadas pelo partido: a cartilha orienta que é fundamental desmontar discursos de que o PT persegue cristãos ou que fechará igrejas e enfatizar que sigla criou a Lei da Liberdade Religiosa e o Dia Nacional da Marcha para Jesus.
- Defender sempre a verdade: para combater desinformação, o texto ressalta que sempre que for pontuar uma incorreção com o evangélico, o interlocutor deve saber pontuar qual é o erro, sobretudo quando se trata de fatos que já ocorreram.
- Citações exageradas a Deus: o texto diz que é para ser cauteloso ao citar o nome de Deus. Aconselha ainda que, quem não acredita, o melhor é não falar sobre o tema para evitar erros e o risco de prejudicar a credibilidade e criar resistências.
- Críticas a pastores: a orientação é que quando um pastor ou membro da igreja cometer um erro, este não deve ser associado à sua fé. A avaliação é que as críticas serão inócuas e podem também soar como perseguição religiosa.
- Considerá-los todos iguais: o texto ensina que há uma enorme diversidade entre as denominações, assim como é diversa a política dentro do movimento evangélico, mas que a maioria das igrejas não busca influenciar seus membros.
- Fundamentalismo: não se deve classificar todo evangélico como fundamentalista , diz uma dos tópicos da cartilha. Unificá-los com essa alcunha poderia mostrar preconceito e ser interpretado como perseguição religiosa.
- Criticar cultos: deve-se respeitar e permitir a expressão religiosa contanto que o Estado laico não seja desrespeitado. Isso, diz o texto, sugere que o PT e a militância apoiam a liberdade de culto praticada por outras pessoas.
Fonte:O GLOBO
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