Tim Walz passou uma temporada na China no fim dos anos 1980 como professor de inglês, voltou para sua lua de mel e repetiu a dose em dezenas de viagens ao país

Se Kamala Harris vencer a eleição de novembro, os Estados Unidos não só terão uma mulher na Presidência pela primeira vez, mas também o primeiro vice que fala mandarim e cantonês. Escolhido para completar a chapa presidencial do Partido Democrata, Tim Walz passou uma temporada na China no fim dos anos 1980 como professor de inglês, voltou para sua lua de mel e repetiu a dose em dezenas de viagens ao país.

Nas redes sociais chinesas, o anúncio do nome de Walz como candidato a vice de Kamala provocou uma certa euforia, num mix de sentimentos. Por um lado, o orgulho incontido de pensar que o futuro número dois dos EUA poderá ser alguém com uma ligação tão forte com o país. Mas também uma rápida constatação de que isso não significa que uma eventual presidência de Kamala Harris pegará mais leve com a China do que ocorreu com Joe Biden nos últimos quatro anos.

Hoje com 60 anos, Walz desembarcou na China em 1989, com o país ainda sob o choque dos protestos da Praça da Paz Celestial, reprimidos brutalmente pouco antes. Em Foshan, cidade na província sulista de Guandong, Walz chegou falando “zero de mandarim e cantonês" e quando disse adeus, após um ano, se defendia bem nos dois idiomas, segundo a jornalista Wing Kuang, que falou com estudantes dele daquela época.

Querido na escola, ele ganhou tantos presentes ao ir embora que não teve lugar na mala para todos, contou o atualmente governador de Minnesota. Naquela época não havia nenhum sentimento anti-americano na China, lembra Walz, bem diferente do que acontece nos últimos anos, principalmente a partir da passagem de Donald Trump pela Casa Branca, quando a rivalidade entre os dois países passou a dar o tom na relação bilateral. "Não importa quanto tempo eu viva, eu nunca mais serei tratado tão bem”, disse Walz.

Nos anos seguintes, a conexão foi mantida. Walz não apenas escolheu a China para a sua lua de mel, mas voltou mais de 30 vezes ao país, segundo seus cálculos, em viagens com estudantes americanos que organizava anualmente em uma empresa que criou com a mulher, Gwen.

A familiaridade do governador democrata com a vida chinesa e as relações que ele cultivou no país viraram um prato cheio para os seguidores de Trump atacá-lo, alimentados pelo clima tóxico e quase irracional em Washington em torno da China. Assim que seu nome foi anunciado como o vice na chapa democrata, antigas declarações suas sobre o país foram desencavadas para servir de munição republicana. Numa delas, de 2016, Walz disse que não acreditava que a relação dos EUA com a China deveria ser “necessariamente de adversário”.

“Ninguém é mais pro-China que o marxista Walz”, disparou numa rede social Richard Grenell, que foi embaixador nos EUA e diretor de Inteligência Nacional dos EUA no governo Trump. Tom Cotton, senador republicano, disse que Walz deve uma explicação sobre “sua relação incomum de 35 anos com a China comunista”. Apesar de seus laços pessoais com a China, contudo, Walz foi muitas vezes duro com as políticas de Pequim.

Principalmente na área dos direitos humanos, em que não poupou críticas nem ações. Em seu período como membro da Câmara dos Deputados, ele encontrou-se com o líder tibetano no exílio, Dalai Lama, considerado uma ameaça pelo governo chinês, e apoiou as sanções contra a China pela repressão ao movimento pró-democracia em Hong Kong. Nas redes sociais chinesas, houve uma divisão entre os que se animaram com Walz e os desconfiados de que a hostilidade americana à China é um caminho sem volta.

É provável que a estratégia dos EUA para a China não seja um dos temas decisivos na campanha presidencial. Segundo as pesquisas, inflação e economia são as maiores preocupações dos eleitores. Mas a política dos EUA em relação à China é crucial, com consequências que vão muito além das relações bilaterais. Se Kamala vencer, espera-se uma continuidade da política de Biden, de contenção do poderio econômico e político da China, mas com cuidado para manter abertos os canais de diálogo para não entornar o caldo.

A experiência de Walz na China o torna um candidato natural a ser uma das vozes mais ouvidas por Kamala na Casa Branca, com um toque de pragmatismo que anda raro em meio à fobia que tem dominado as discussões sobre o tema em Washington nos últimos anos.


Fonte: O GLOBO