Redução de juros nos Estados Unidos dará impulso à busca de recursos lá fora, afirmam analistas

A Petrobras usou o quase US$ 1 bilhão captado lá fora, em papéis com vencimento em 2035, para recomprar títulos emitidos anteriormente — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

O volume de recursos captados por meio da emissão de títulos de dívida por empresas, incluindo instituições financeiras, alcançou US$ 13,12 bilhões de janeiro até 18 de setembro, superando os US$ 11,92 bilhões registrados em todo o ano passado. Quando se consideram também as emissões feitas pelo Tesouro Nacional, o total chega a US$ 19,5 bilhões este ano, também acima dos US$ 16,1 bilhões de 2023, segundo dados do Bond Radar, serviço de informações sobre o mercado de capitais.

As captações são feitas principalmente por empresas de grande porte que tenham uma dívida relevante, afirmam especialistas. O movimento quer aproveitar a retomada do apetite dos investidores por títulos de dívida de países emergentes, o que será estimulado pela queda na taxa básica de juros nos Estados Unidos, iniciada na quarta-feira, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fez um corte de 0,5 ponto percentual, para o intervalo entre 4,75% e 5%.

— De 2022 para cá, houve uma combinação de incerteza macroeconômica mundial, do ponto de vista de inflação e taxa de juros. Isso gerou volatilidade grande em relação a níveis de taxas de juros — diz Guilherme Maranhão, presidente do Fórum de Estruturação de Mercados de Capitais da Anbima, associação do setor.

Eleição dos EUA no radar

Nos dois últimos anos, a dinâmica da política monetária americana ditou o ritmo de captações externas, impactando negativamente as emissões no exterior. Para as empresas brasileiras, continua Maranhão, pesou também o cenário interno, de eleições presidenciais à Selic, ainda que o mercado local tenha oferecido opções de captação:

— A partir do ano passado e mais fortemente agora, com as questões macroeconômicas e políticas dissipadas, vai ter uma melhora. Fundos que ficaram muito tempo sem alocar em países emergentes e no Brasil começam a ter necessidade de voltar.

Neste segundo semestre, dizem especialistas, a tendência é que as empresas que puderem optem por fazer captações externas antes das eleições presidenciais nos EUA.

Miguel Diaz e Matheus Licarião, analistas da área de mercado de capitais do Santander, lembram que “o mercado lá fora é de janelas”:

— No momento há volatilidade baixa, e a confiança dos investidores acabou entrando de novo para mercados emergentes — diz Licarião, que faz um alerta. — A janela pode se fechar por conta de ruído de eleições americanas, porque a volatilidade deve aumentar.

Diaz cita ainda questões de calendário:

— Eleições, Ação de Graças, em dezembro se desligam os motores.

Para Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa do Itaú BBA, os juros menores nos EUA vão impulsionar a corrida por mais emissões lá fora. Ele ressalta, no entanto, que as captações externas são feitas por “produtoras de commodities com negócios globais”:

— As receitas dolarizadas facilitam a aceitação dos papéis no mercado internacional.

Maranhão, da Anbima, acrescenta que as empresas que acessam esse mercado têm endividamento relevante. Não à toa, muitas delas estão emitindo títulos para financiar o pagamento de dívidas ou financiar operações com debêntures.

A Vale, por exemplo, levantou quase US$ 1 bilhão no fim de junho em uma emissão de títulos de dívida com prazo de 30 anos. E explicou ter usado os recursos para pagar bonds emitidos anteriormente com vencimento em 2026.

Esse movimento é semelhante ao da Petrobras, que fez uma emissão também de quase US$ 1 bilhão com vencimento em 2035 e recomprou títulos mais antigos. A XP também informou ter usado os recursos de uma emissão externa, no valor de US$ 500 milhões e com vencimento em 2029, para recomprar papéis com vencimento mais próximo.

Já a Eletrobras informou ter usado os recursos captados lá fora para refinanciar suas dívidas. Também procuradas, Suzano e Movida não responderam qual o objetivo de suas captações.

Queiroz, do Itaú BBA, afirma que a disponibilidade dos títulos no exterior também é vista como uma janela de oportunidade de longo prazo, pois cria respaldo para futuras emissões:

— Ter novos credores abre um novo mercado e reforça participação neste mercado internacional.

Além disso, há no mercado internacional um número maior de eventuais interessados, aponta Frederico Nobre, líder de análise da Warren Investimentos:

— Há um acesso a outros bolsos. O mercado de capitais lá fora é muito mais robusto e maior do que o daqui.

Governo fará nova emissão

Com o cenário favorável lá fora, o governo prepara uma nova emissão de dívida externa neste ano, em valores que ainda estão sendo discutidos. A avaliação do Ministério da Fazenda é que o mercado está mais “calmo”, com menor volatilidade.

A emissão será de papéis “normais”, e não de títulos verdes (os chamados green bonds) — que este ano captaram US$ 2 bilhões, a uma taxa de 6,3% ao ano. Esses papéis têm juros mais baixos, mas exigem uma maior governança do governo em relação ao destino dos recursos.

O Tesouro captou ainda US$ 4,5 bilhões com a emissão de dois títulos soberanos, no maior movimento nesse sentido desde 2005.


Fonte: O GLOBO