Recorte de gastos em semana seguinte ao debate mostra estratégia democrata para atingir públicos em Estados-pêndulo; campanha republicana aposta em engajamento orgânico do ex-presidente

Kamala Harris aparece em tela ao se juntar à produtora de televisão Oprah Winfrey em um comício com transmissão — Foto: Saul Loeb/AFP

A vice-presidente dos EUA e candidata pelo Partido Democrata à Casa Branca, Kamala Harris, gastou mais de US$ 12 milhões (mais de R$ 65 milhões) em publicidade on-line na semana seguinte ao debate televisivo com o ex-presidente Donald Trump, superando os gastos do rival em uma proporção de 20 para 1. Apontada como vencedora do debate por analistas de política americana, a campanha de Kamala tentou capitalizar o momento positivo para distribuir propaganda impulsionada em Estados-pêndulo e captar novos doadores em todo o país.

Os gastos desiguais — US$ 12,2 milhões (R$ 66,3 milhões) para US$ 611.228 (R$ 3,3 milhões) nas plataformas da Meta, de acordo com registros da empresa — dificilmente foram um caso isolado. Desde que Kamala substituiu Joe Biden e entrou na disputa presidencial, sua campanha sobrecarregou a operação Trump com uma avalanche de publicidade digital, gastando mais que a dele em dezenas de milhões de dólares, fazendo soar um alarme entre alguns republicanos.

Quatro anos atrás, Trump, então ocupando a Casa Branca, gastou drasticamente mais em propaganda on-line que os democratas no início do ciclo eleitoral, na esperança de obter vantagem. Agora, Trump, enfrentando um déficit de caixa, está fazendo uma aposta muito diferente, que enfatiza o apelo de sua marca on-line, a durabilidade de uma lista de doadores construída ao longo de quase uma década e sua crença no poder da televisão.

A diferença de gastos foi especialmente gritante nas telas dos Estados-pêndulo mais disputados na semana em torno do debate. Na Pensilvânia, Kamala gastou US$ 1,3 milhão (R$ 7 milhões) nas plataformas da Meta, em comparação com US$ 22.465 (R$ 122 mil) de Trump. Em Michigan, ela desembolsou US$ 1,5 milhão (R$ 8,15 milhões), enquanto ele gastou apenas US$ 34.790 (R$ 189 mil).

— Simplesmente não podemos nos dar ao luxo de abandonar uma plataforma para os democratas — alertou Eric Wilson, um estrategista digital republicano e diretor executivo do Centro para Inovação de Campanha, que pressiona os conservadores a adotar a tecnologia.

A campanha de Trump gastou muito mais no Google, especialmente em anúncios do YouTube que podem se assemelhar muito à televisão tradicional — o Google é dono do YouTube. Mas mesmo no Google, uma análise do New York Times dos registros de publicidade nos sete principais estados-pêndulo mostra que os comitês políticos de Kamala gastaram o dobro que a campanha de Trump, de US$ 25,7 milhões (R$ 139,6 milhões) para US$ 12,8 milhões (R$ 69,5 milhões), desde que ela entrou na disputa.

Trump cortejou o público digital de outras maneiras, parando em um bar de bitcoin em Nova York esta semana; conversando com estrelas do YouTube, streamers e podcasters; entrando no TikTok; e até mesmo criando sua própria rede social, a Truth Social. Mas sua presença digital paga — com impulsionamento — menor comparativamente pode significar que ele não consiga alcançar potenciais apoiadores.

Trump visita bar temático de criptomoedas em Nova York — Foto: Spencer Platt/Getty Images/AFP

A mídia social se tornou um importante espaço de disputa para campanhas políticas, tanto como uma fonte de arrecadação de fundos quanto como um lugar para atrair eleitores mais jovens e indecisos que não consomem tanta televisão. E em uma eleição acirrada, ser capaz de motivar e ganhar eleitores menos engajados, mas persuasíveis, on-line pode fazer a diferença. A lacuna de gastos digitais está alimentando algum otimismo democrata sobre as eleições, mesmo que as pesquisas mostrem uma corrida ultracompetitiva.

— É uma enorme vantagem estratégica e a campanha de Trump parece estar dormindo ao volante — disse Kenneth Pennington, um estrategista digital democrata sobre o gasto on-line. — Kamala está conduzindo uma campanha mais moderna.

Karoline Leavitt, porta-voz da campanha de Trump, disse que não precisava gastar tanto porque os eleitores consomem voluntariamente conteúdo sobre o ex-presidente.

— A campanha de Kamala deve gastar uma quantia enorme em publicidade digital, e não o fazemos porque o maior patrimônio da nossa campanha é o presidente Donald Trump — disse ela. — Milhões de pessoas querem assistir e se envolver organicamente com o presidente Trump. Não dá para colocar um valor em dólar nisso.

Estratégias diferentes

Trump também está gastando menos na televisão — mas por margens menores. Parte dessa ênfase nos gastos reflete a visão de mundo do próprio Trump. Ele, que estrelou o programa de televisão "O Aprendiz", disse em particular que acha que os gastos digitais são um desperdício e pediu que sua campanha gaste mais na TV, de acordo com uma pessoa que o ouviu fazer tais comentários e insistiu no anonimato para discutir os comentários privados do ex-presidente.

Trump está se beneficiando dos gastos on-line de alguns comitês republicanos de ação política, mas dificilmente é o suficiente para se igualar aos de Kamala.

Parte da razão para a vantagem publicitária de Kamala é que ela simplesmente tem mais dinheiro: ela dobrou a arrecadação de fundos de Trump em julho e agosto. Mas a disparidade digital também reflete a estrutura e as prioridades de cada campanha. Um dos vice-gerentes de campanha de Kamala é um ex-estrategista digital de ponta, enquanto a campanha de Trump não tem um especialista digital em seus altos escalões.

Chris LaCivita, um dos cogerentes de campanha de Trump, disse que sua equipe tinha bastante experiência.

— A experiência coletiva na entrega de mensagens na campanha de Trump para presidente ultrapassa mais de 100 anos — disse ele. — E também inclui o momento do início da internet até onde ela está hoje. Fizemos parte desse crescimento o tempo todo.

Trump ainda não anunciou no Snapchat, onde a campanha de Kamala gastou US$ 3,2 milhões (R$ 37,4 milhões) desde que ela se tornou candidata, mostram os registros da empresa. Há uma plataforma em que Trump está gastando e Kamala não: o X, de propriedade de Elon Musk, embora a soma do ex-presidente seja relativamente insignificante, um pouco mais de US$ 100 mil (R$ 543 mil) desde que o vice-presidente entrou na corrida.

Kamala tira selfie com senador da Pensilvânia John Fetterman — Foto: Andrew Harnik/Getty Images/AFP

Gastar mais dinheiro dificilmente é uma aposta certa na política presidencial. As eleições são frequentemente decididas por forças sociais mais amplas ou eventos mundiais. Trump venceu em 2016, quando gastou significativamente menos. Mas as duas últimas disputas presidenciais americanas foram tão acirradas — determinadas por dezenas de milhares de votos — que cada pequena vantagem é potencialmente decisiva.

Ainda assim, a lacuna partidária geral nos gastos on-line é especialmente impressionante porque Trump priorizou fortemente esse tipo de gasto em 2020. E alguns de seus assessores creditaram uma estratégia centrada no Facebook por ajudá-lo a vencer em 2016.

Os anúncios que Trump está veiculando no Facebook revelam algumas decisões táticas. No mês passado, sua campanha gastou mais em anúncios apresentando a página de Alina Habba, uma de suas advogadas e assessoras, do que naqueles do senador JD Vance, seu companheiro de chapa. Os anúncios de Habba têm como objetivo incentivar pequenos doadores a contribuir.

— Não temos o time mais bonito do mundo? — pergunta Habba em um anúncio, enquanto anda pelo escritório da campanha. — Sim, temos.

Uma vantagem dos anúncios digitais é que eles podem ser precisamente adaptados para atingir grupos demográficos específicos.

A campanha de Trump, por exemplo, está veiculando anúncios no Google direcionados a mulheres em centros urbanos de estados-pêndulo sobre sua promessa de tornar os tratamentos de fertilização in vitro gratuitos. Os anúncios são rosa com as palavras, todas em letras maiúsculas: "Você quer mais bebês? Trump quer".

De sua parte, Kamala está veiculando um anúncio na área ao redor de Dearborn, do Estado de Michigan, que tem uma grande população de árabes e muçulmanos americanos, apresentando seus esforços "para acabar com o sofrimento em Gaza."

Michael Duncan, um estrategista digital republicano, disse que a retirada de Trump do Facebook era compreensível.

Apoiadores de Trump esperam chegada do ex-presidente em comício no Estado de Nova York — Foto: Michael M. Santiago/Getty Images/AFP

— Donald Trump está concorrendo à Presidência há nove anos, e ninguém na história da política gastou mais dinheiro no Facebook tentando encontrar doadores — explicou ele, acrescentando que a plataforma havia se tornado menos eficiente para os republicanos em geral.

Duncan disse que o imperativo da campanha de Trump agora era veicular anúncios negativos definindo Kamala, e que o Facebook e o Instagram eram geralmente plataformas mais fracas para esse propósito.

— É mais difícil persuadir as pessoas com vídeo no Facebook porque elas podem rolar a tela — disse ele.

Rob Flaherty, o vice-gerente de campanha de Kamala com experiência em estratégia digital, disse que os democratas pretendiam espalhar sua mensagem de todas as maneiras possíveis.

"Em uma eleição que será incrivelmente acirrada, achamos que é uma boa aposta investir em nossos eleitores e alcançá-los em todos os lugares que informarão como eles votarão neste outono, seja online ou em suas comunidades", escreveu em uma declaração.

A vantagem dos gastos digitais democratas é uma grande mudança em relação aos ciclos anteriores, quando Trump parecia pronto para colocar os republicanos no controle do ecossistema on-line.

— Em 2016, a campanha de Trump administrou uma operação digital muito mais sofisticada do que os democratas — disse Tara McGowan, que atuou como diretora digital da Priorities USA, então o principal super PAC do partido. — Então os democratas trabalharam muito, muito, muito duro para garantir que isso não acontecesse novamente.


Fonte: O GLOBO