Produtos da Tupperware, que era ícone no setor de potes e vasilhas — Foto: Kemal Jufri/The New York Times
A Tupperware, que se tornou sinônimo de vasilhas plásticas, perdeu força em anos recentes e tenta sobreviver a mudanças no modelo de vendas diretas e ao avanço das plataformas on-line. A empresa entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos nesta quarta-feira, com dívidas que somam US$ 1,2 bilhão. Tanto lá como aqui, a marca atravessou gerações, e era conhecida por seu exércitos de revendedoras. Agora, busca uma solução com os credores para manter-se de pé.
Quando chegou ao Brasil nos anos 1970, as mulheres se reuniam para conversar e vender os produtos da marca, mas a entrada delas no mercado de trabalho e o aumento das opções de lazer voltadas para o público feminino redesenharam essa relação.
— A Tupperware instruiu as revendedoras. Ao invés de mostrar os potes, elas marcavam encontros para reunir mulheres, que levavam biscoitos e doces para mostrar como os produtos não vazam do pote e não deixam cheiro — conta Lilian Carvalho, professora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP/FGV).
Compras para o enxoval
Antes da internet, as revendedoras eram fundamentais para comunicar as novidades e entregar os produtos da marca, diz Lilian. Elas conheciam os comportamentos e gostos de outras mulheres, amigas e vizinhas, sabendo dizer como e quais pratos gostavam de cozinhar. Assim, apontavam exatamente quais vasilhas seriam as melhores escolhas para complementar o enxoval.
Festa da Tupperware, em 1955: vendedoras iam às casas das clientes — Foto: Graphic House via Bloomberg
Esse modelo de venda em casa, baseado na proximidade entre consumidoras e revendedoras, foi fundamental para que a marca transformasse seus produtos em indispensáveis itens do lar. As mulheres passaram até mesmo a fazer piadas com o medo de que outras pessoas roubassem suas vasilhas, que custavam bem mais caro que modelos convencionais.
— A marca é um ícone. Tem gente que chama de ‘tapaué’. Não sabe escrever o nome, mas conhece carinhosamente — diz Lilian.
Durante muitos anos, esse modelo de venda sustentou a empresa, sobretudo em lugares mais afastados dos centros urbanos, diz Roberto Kanter, professor de MBAs da FGV. As revendedoras ajudaram a expandir a marca, até que a pandemia dissolveu fronteiras e fez com que inúmeras plataformas acessassem mesmo as áreas mais remotas.
Concorrência com plataformas on-line
Ele lembra que a Tupperware nasceu durante os anos dourados da indústria de petróleo nos Estados Unidos. Junto com a empresa de cosméticos Avon, foi uma das primeiras companhias americanas a buscarem consolidar uma presença mundial.
Por ser um país de dimensões continentais e com um mercado similar ao americano, o Brasil entrou no radar. Além disso, acrescenta Lilian, os brasileiros sempre tiveram maior vocação para o comércio baseado na proximidade, assim como outras nacionalidades latinas.
Tupperware pediu recuperação judicial, com dívidas de US$ 1,2 bilhão — Foto: Divulgação
Mas o crescimento de plataformas on-line colocou em xeque essa forma de vender produtos. As revendedoras se tornaram menos essenciais para que os produtos cheguem até o consumidor, já que entregadores conseguiam alcançar todos os cantos do país.
— E como a Tupperware se diferencia dos produtos vendidos nas plataformas? — questiona Kanter — Tem maior qualidade, mas é caro. Antigamente ser funcional era o bastante para comprar um produto. Agora tudo é funcional. A marca não se reinventou. Se o consumidor usa um perfume, por exemplo, ele não vai trocar por uma marca qualquer. O pote é uma commodity. É uma categoria que não pesa na decisão de compra do consumidor.
Marketing de 'influencer'
Tania Miné, professora de marketing da ESPM, diz que atualmente os consumidores conseguem comprar produtos de mesma qualidade com preço menor. Para ela, a marca deveria ter inovado, mostrando que é mais vantajoso comprar Tupperware do que das concorrentes.
— Além disso, com a inflação, o consumidor vai optar por produtos de primeira necessidade — diz.
Tania menciona como exemplo uma pesquisa da Mckinsey (2024), segundo a qual, nos últimos anos, os gastos cresceram de forma mais acelerada que a renda em todos os níveis socioeconômicos.
Fora essas questões, dezenas de influenciadores agora recomendam quais os melhores produtos, como conseguir cupons de desconto e em que plataformas comprar. Tudo isso através do celular, sem a necessidade de receber a revendedora — que também era amiga que assegurava a qualidade da compra — em casa. Essa mudança empurrou muitas revendedoras para o trabalho com as redes sociais.
Papel das mulheres mudou
Kanter menciona que, além das pessoas estarem menos propensas a receberem conhecidos em casa, houve uma mudança no papel das mulheres na sociedade. Elas já não têm mais tempo ou interesse em se reunir com as amigas para falar sobre cuidados com a casa. Querem marcar encontros em bares e restaurantes, por exemplo, e conversar sobre outros temas.
— A mulher já não tem mais tempo para se reunir com as amigas e falar sobre isso. Eram assuntos em um momento em que a mulher não tinha trabalho — diz o especialista.
Para Lilian, no entanto, a Tupperware tem potencial para conquistar consumidores jovens, que valorizam a durabilidade das vasilhas por se preocuparem com premissas de sustentabilidade. A revendedora Maysa Vasconcelos, de 32 anos, concorda: mais jovens se interessam pelos produtos.
— Além da sustentabilidade, não quebra. A marca também pensa na saúde dos consumidores e os produtos não tem bisfenol (conhecido como BPA, é um químico que pode prejudicar a saúde) — diz Maysa, que vende Tupperware desde 2016 no Ceará. Apesar da crise, ela conta que suas vendas cresceram nos últimos anos.
Fonte: O GLOBO
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